Homenagem à dupla histórica Amauri e Charrão, resistência ao rebaixamento e pedido por democratização fazem parte de obra que será lançada nesta sexta
“Um Furacão na avenida” é o que promete a escola de samba Leões da Mocidade para o Carnaval deste ano, com samba enredo em homenagem ao centenário do Athletico. Obra será lançada nesta sexta-feira (17), às 19h, na quadra da escola e relembra momentos da história rubro-negra.
Evento de lançamento ocorre na rua São Bento, 607/619, Hauer e a entrada é franca. A escola faz apelo pela presença da torcida atleticana não só neste evento, mas no desfile do dia 1° de março, no sambódromo da rua Marechal Deodoro.
Paulo César Feital é o autor de homenagem. Compositor também assina os sambas de enredo da Viradouro e da Mocidade Independente de Padre Miguel no Carnaval do Rio de Janeiro em 2025. Os carnavalescos Leo Peres, Flávio Guerra e o presidente da Leões da Mocidade, Wilson Paulino, também participaram da composição.
“Temos sempre o cuidado de levar algo mais social. – explica Wilson Paulino, em entrevista à Trétis – Tem dois personagens, o Amauri e o Charrão, além do Sicupira. Quando falamos de Amauri, além do grande jogador, foi um dos primeiros negros a driblar a ordem social. Queremos fazer ele se sentir orgulhoso, talvez a homenagem na avenida seja grande para ele. Isso me emociona muito, a cultura popular, de Amauri e Charrão, é a cultura que pertencemos e temos pouco espaço, poucas vitrines. Me toca a possibilidade de tocar as pessoas de forma cultural.”
Amauri e Charrão não foram os primeiros negros a atuar com a camisa do Athletico, como muito é falado. Urbino, já havia protagonizado feito em 1925. Dupla, no entanto, ganhou destaque nos anos 60, momento em que a questão racial tomou os palanques políticos no mundo todo.
Após o final de suas carreiras, ex-lateral e zagueiro, respectivamente, mergulharam na cena do samba curitibano. Mestre Amauri foi um dos fundadores da Mocidade Azul e Charrão foi diretor de harmonia, compositor, intérprete e presidente da mesma escola de samba. A história da dupla é melhor contada pelo historiador Sandro Moser.
“Leões. Estendam o manto que acende a paixão. Dos quatro ventos que balançam o coração. Da mais fanática torcida do país. Pobres, ricos, pretos, brancos, somos a democracia, o encanto. Sou caveira, sou raiz. A herança da arquibancada, ser atleticano é ser feliz.” – diz samba enredo da Leões da Mocidade.
Obra se propõe a ressaltar feitos marcantes desde o bicampeonato paranaense de 1929-1930, passando pelo Furacão de 49, pelo Brasileirão de 2001 até as glórias do ciclo de 2018 e 2019. O rebaixamento não afetou na intenção de desfilar e celebrar a história atleticana e, na verdade, tornou ato em símbolo de resistência, explica Paulino:
“Foi um susto, um baque que tivemos. Criou-se uma expectativa em torno desse enredo. A Leões da Mocidade tem histórico de enredos mais polêmicos, pé no chão, de se sensibilizar às dores. Nosso enredos tem sempre esse punho levantado. Quando o Athletico foi rebaixado, nós sentamos para reavaliar, junto da própria diretoria (do Athletico). Num primeiro momento: “não, não tem clima, não tem apoio”, mas o torcedor atleticano é cidadão brasileiro. Agora é a hora de bater no peito e falar, sim, eu sou atleticano. Estaremos trazendo uma história centenária, de tantos ídolos, de Amauri, de Charrão, toda a história linda do Sicupira. O enredo é muito maior, o carnaval é muito maior do que um momento, de onde estou. É uma motivação.”
O Athletico não teve envolvimento na ideia da homenagem, mas foi consultado e aprovou projeto da escola de samba, garante o presidente. A ideia surgiu com o exemplo da celebração do centenário do rival Coritiba, em 2009, levada à avenida pela Acadêmicos da Realeza, campeã do carnaval curitibano na ocasião.
Paulino coloca o carnaval como o grande momento para fechar as celebrações do centenário atleticano: “O clube entende que o Athletico é o time da torcida, e no ano do centenário fizeram tantas festas, mas o grande momento é o carnaval. Vai ser a grande coroação de um ano de comemorações, culmina-se tudo no Furacão na avenida”.
“Pobres, ricos, pretos, brancos, somos a democracia”
Verso é, sim, verdadeiro, por mais que não representado nas arquibancadas da Arena da Baixada. O preço de ingressos praticado pela gestão atleticano foi, por muito tempo, o maior no Brasil e o plano de sócios mais barato representa 6% do salário mínimo (hoje, R$1640).
No início deste ano o Athletico lançou a campanha “um milhão no caldeirão”, que vendia vouchers para a troca em ingressos por R$30. A meta da venda de 600 mil vouchers não foi batida e número chegou aos mais de 100 mil. A ideia da promoção foi de levar torcedores que nunca foram a jogos, ao estádio.
Wilson Paulino entende fato e garante que samba enredo deseja passar mensagem ao próprio Athletico:
“O carnaval tem esse viés de ir na contra mão, tentando dar alguns recados. Não é por que o Athletico apoia que temos que fazer o que eles pedirem/aprovarem. A nossa história, a forma com que vamos contar e a liberdade para trazer no samba essa frase, talvez os compositores queiram mostrar para o Athletico algo que talvez eles estejam agora enxergando. É possível que talvez na avenida possamos trazer essa reflexão de que o Athletico não é meu, dele. É nosso. Talvez seja a hora de abrir as portas, esse clube é do povo e o povo precisa ter o direito de assistir os jogos. Quem realmente se emociona é o povo pobre, trabalhador, assalariado e ele precisa levar o filho dele no campo, ter condições de comprar uma camisa para seu filho. Talvez nosso enredo gere o sentimento de que o Athletico não executa isso, queremos acender essa luz.”