O efeito “ex rival”

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A decisão institucional velada de não tratar o Coritiba como rival gera consequências

Os Athletibas são aqueles jogos especiais que contam muitas histórias interessantes. Algumas tristes, outras muito felizes. O torcedor naturalmente gosta de um clássico, porque por melhor que seja sua fase fora dos limites do município vencer um clássico soa como perpetuar e manter um domínio local. Eu penso assim, porém tem bastante gente que não.

 

O Athletico tem um histórico crescimento exponencial nas últimas 3 décadas. É o crescimento mais estruturado e consistente, no mundo, de um clube de futebol sem investidor externo. Com o crescimento, a modernização, a inovação e muitos outros pontos positivos chegou também o “Efeito Ex Rival”. Explico.

 

Nos últimos anos há o crescimento do discurso de que o Coritiba não é mais rival do Athletico, pelo menos não mais como já foi em outros tempos. Lembro desse discurso muito forte em meados de 2004/2005. Com o biênio vencedor que tivemos recentemente (2018/2019) vimos novamente este discurso voltar com força e dessa vez com muito torcedores comprando e bancando a narrativa.

 

“Mas o que que tem, Henrique? Nós somos campeões disso, daquilo e daquele outro”. Não tem nada não, cada um pode acreditar no que quiser. Não há verdade absoluta. O fato é que o discurso institucional do dia a dia do clube vai ficando impregnado no DNA de quem está lá dentro. Por exemplo, na visita que fiz no CT alguns sábados atrás Marcio Lara comentou que todos os trabalhos realizados dentro do clube visam ser campeão mundial. É uma obsessão interna do clube e do projeto. Esse discurso foi confirmado por um amigo que trabalha lá dentro. A coisa é meio que “se você não acredita que vamos ser campeões do mundo infelizmente seu lugar não é aqui”. Excelente. Isso cria DNA. Mas e quando o DNA faz mal? Nessa mesma visita Marcio Lara, em algum momento se referiu ao Coritiba como “nosso ex rival”. Boa parte dos sócios sorriu satisfeita.

 

Me perguntei mentalmente “ex rival por que?”.

 

Mesmo com todo o sucesso fora dos limites de Curitiba e da óbvia distância para os rivais locais o Athletico ainda oscila em Athletibas. O torcedor nunca sabe o que vai ver em campo. Independentemente da fase, da diferença de elencos e da divisão o Athletico normalmente prefere não tentar se impor diante do rival. Mas e por que isso acontece? Para mim há relação direta com o discurso que reverbera internamente. A mensagem subliminar que fica? “É só mais um jogo”. É por isso que nunca se sabe o que se vai ver em campo. Ficamos muito na dependência de alguns líderes de elenco, do momento do time e do treinador da vez. Em 2016 o grupo do Autuori com algumas boas lideranças atropelou o Coritiba na final do Paranaense. Com quase o mesmo elenco o CAP foi atropelado em 2017 com uma postura irreconhecível. Em 2018, já sob o comando de Tiago Nunes, fez excelentes Athletibas e foi campeão contando com o forte fator motivacional do treinador e das lideranças vencedoras de “uns tais” de Guimarães, Lodi e Léo Pereira. Em 2019 quase conseguiu tropeçar num rival que teria sérias dificuldades na série B daquele ano e acabou resolvendo nos pênaltis. Em 2020, apesar de alguns valores individuais muito promissores, um técnico ainda inexperiente e jogadores que quem sabe ainda não tenham aquela liderança vencedora. No clássico de ontem o Athletico não teve aquele tempero que normalmente salva o clube do infame discurso do “só mais um jogo”. O resultado? Goleado por um time que tem dificuldade para trocar 3 passes em sequência e que vive crise de pobreza técnica há anos.

 

O Coritiba, até mesmo pela situação de crise que vive, tem uma postura linear em clássicos. Usa o jogo como desafogo da instituição, porque para eles uma vitória diante do Athletico significa paz para o clube. Os verdes continuam nos vendo como rivais e por consequência entram em campo querendo vencer como se fosse final de copa do mundo. O Athletico, institucionalmente, não vê o Coritiba como rival, por mais bizarro que isso possa parecer. É só mais um jogo. O torcedor precisa apenas torcer para que alguém lá dentro do vestiário, naquele Athletiba específico, esteja com sangue nos olhos. No clássico do último domingo o clube foi para um treino de luxo. Não teve dividida, não teve vontade, não teve sangue no olho. Nem mesmo quando Rafinha deu uma voadora em Pedrão se viu algum jogador do CAP chegando para pelo menos tirar satisfação. Mas tudo bem né? Não é clássico…

 

É obvio que prefiro continuar tendo relevância nacional do que ser tratado como aquele time lá de Curitiba que foi campeão por um acaso na década de 80 e que agora está no mesmo bolo de times que respiram por aparelhos. Só não entendo o que a instituição Athletico Paranaense, na figura de sua diretoria, ganha desvalorizando o clássico. É uma forma burra de menosprezar o rival. Eu particularmente preferia menosprezar ganhando 4 a cada 5 jogos. O Athletico pode continuar sendo um case de sucesso, inovador, saudável financeiramente e ter um rival local normalmente. Quer menosprezar? Faça valer sua posição no futebol brasileiro e sulamericano quando entrar em campo para o clássico. Do contrário o torcedor vai precisar torcer para quem em todo próximo Athletiba tenhamos alguém com sangue nos olhos dentro do elenco para contagiar e motivar os demais. Porque tomar 4 gols de um time que tem sérias dificuldades básicas contra qualquer adversário é sim bastante grave, apesar de alguns não acharem.

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