Campeão da Copa do Brasil, Rony saiu de extrema pobreza no interior do Pará para se tornar inspiração para nova geração de jogadores
O que torna o futebol brasileiro único no mundo? Entre a garra, a audácia e o talento, o sonho futebolístico é o símbolo de uma nação em que meninos lutam pela sobrevivência em meio a pobreza, a fome e a desestruturação. Ser jogador brasileiro é ser a esperança de milhões que veem no esporte a saída de uma realidade hostil. E é isso que faz com que nenhum jogador no mundo tenha comparação com a luta de um menino que escolheu a bola como arma da sua redenção. E a representação de um desses meninos tem nome, clube e título: Ronielson da Silva Barbosa, do Athletico Paranaense, craque e campeão da Copa do Brasil 2019.
Ronielson nasceu em 11 de maio de 1995 (24 anos) e passou sua infância no interior do Pará, na zona rural de Magalhães Barata, uma cidade de menos de 10 mil habitantes. Em uma infância sem pai, Rony e seus quatro irmãos dormiam sobre papelões em uma casa de barro, eram criados pelo avô em um período em que passaram sem a mãe. Ajudava na produção de farinha de mandioca e no tempo livre, apesar da fome que passava, disparava com a bola nos pés em um campo de terra em frente ao terreno de onde vivia, que pertencia ao seu primeiro clube, o Grêmio de Vila Quadros.
Quando tinha 17 anos, Rony foi à Belém em busca de seu sonho e foi aprovado em uma peneira do Remo, um dos principais times do Pará. Além de jogar bola, Rony terminava o ensino médio e se mantia com bicos de mototaxista, pedreiro e mecânico. Foi no clube que, em suas primeiras participações como profissional, teve a origem da sua famosa cambalhota como comemoração do gol e que veio a conhecer o empresário Hércules Júnior, que reconhece como pai.
Depois de se destacar no time paraense, o atacante foi transferido ao Cruzeiro, onde teve algumas participações no time sub-20. Com a transferência, Rony presenteou a mãe com uma casa. Mas antes de ter oportunidade no time principal, foi então emprestado ao Náutico, onde teve seu papel de craque alavancado, sendo artilheiro do time em 2016. No fim do ano, a carreira do jogador foi levada para fora do Brasil, quando Rony foi negociado com o Albirex Niigata, do Japão.
Após uma dura adaptação no território oriental, era o momento do atleta retornar ao país natal. Depois de mais de seis meses de uma disputa judicial com o Albirex, de ser anunciado pelo Botafogo (mas nunca chegar a defender o time) e quase ser contratado pelo Corinthians, em julho de 2018, o jogador desembarcou sua velocidade característica em solo curitibano, sendo o novo atleta do Furacão. E foi na sua estreia, em 2 de setembro que mostrou a que veio: logo depois de entrar, o atacante marcou o 2o gol do Athletico sobre o Bahia, pelo Brasileirão, levando a torcida ao êxtase com sua cambalhota pela primeira vez.
Cada vez se destacando mais, o jogador se tornou uma peça decisiva do Furacão. Era reserva, mas todo jogo entrava para fazer a diferença e arrematar a partida com sua habilidade. E que arremate: marcou um gol contra o Fluminense nas semifinais da Sul-Americana, eliminou o time e foi consagrado campeão.
Após a glória do primeiro título internacional do time paranaense e com a saída do ídolo Pablo, Rony iniciou 2019 como titular no Athletico. Foi protagonista, junto com Bruno Guimarães e Renan Lodi, nas brilhantes partidas do time, que bateu gigantes latinos como Boca Juniors e River Plate. Foi destaque na Libertadores, eleito em diversos levantamentos, como do Globoesporte, um dos melhores atacantes do Campeonato Brasileiro. Retornou ao Japão e trouxe o primeiro título intercontinental do rubro-negro, a Levain Cup.
Mas hoje, o que leva os nossos corações a aclamar Rony é o fato de ele ser um dos heróis da conquista da Copa do Brasil 2019. Em 17 de julho, em pleno Maracanã que ardia com a festa flamenguista, o jogador marcou o gol que empatou a partida em 1×1, levando o time a eliminar nas penalidades o Flamengo em sua própria casa, nas quartas-de-final. Na semifinal, foi brilhante na virada histórica em cima do Grêmio, que venceu o jogo de ida por 2×0, mas que perdeu pelo mesmo placar na Arena da Baixada e foi eliminado nos pênaltis.
Rony, o menino paraense que saiu da extrema pobreza, estava na final da Copa do Brasil. Na primeira partida contra o Internacional, o atacante foi crucial para o jogo, dando a assistência do gol que levaria a vitória do Athletico por 1×0, na Arena da Baixada. Mas foi nessa quarta, 18 de setembro de 2019, que Ronielson cravou definitivamente sua estrela. Depois de passar o jogo levando perigo, com toda a sobriedade, para a área do Internacional, o atacante quase se consagrava campeão com o empate por 1×1 no Beira Rio, quando aos 51′ do segundo tempo, depois de um drible antológico de Cirino, o paraense balançou a rede do Beira Rio pela última vez, concedendo o título ao Athletico Paranaense, com a vitória de 2×1 e foi então eleito craque do jogo. E foi aquela cambalhota, que dizia aos paraenses que aquele menino tinha algo de especial, que calou o Brasil, tirou a voz dos narradores do jogo e que gritou para todos: eu sou campeão da Copa do Brasil 2019.
Rony não é dos jogadores mais bombados na mídia. Em seu perfil oficial no Instagram conta com pouco mais de 80 mil seguidores, não chegando nem a 2% do número de outras estrelas do futebol brasileiro, como Gabigol, do Flamengo (3,4 milhões de seguidores). Mas foi esse menino que brilhou nos olhos de milhões de garotos em nosso país, que traz em si a história que nos lembra o porquê de vestirmos a camisa em um lugar onde as notícias deixam a vida tão difícil. Rony é o sonho do futebol brasileiro, dos meninos e meninas que se inspiram no esporte para um futuro melhor. Em tempos de elitização do esporte e de descrença de qualquer melhora, ao ser campeão, Ronielson da Silva Barbosa ascendeu a esperança de que ainda temos um sonho e de que ele está se realizando.